Dragão Vermelho: Um caso de Psicose e Paranoia
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Dragão Vermelho: Um caso de Psicose e Paranoia

Este artigo trás suposições e hipóteses sobre Francis Dolarhyde, a intenção não é diagnosticá-lo, para isso, é preciso escutá-lo na íntegra. A intenção é buscar as raízes de como isso se construiu. Trago alguns termos e conceitos (fácil leitura e entendimento) para pensarmos que por trás dessa obscuridade existe sofrimento.

A análise psicológica está totalmente focada em Dolarhyde (Dragão vermelho).



Dragão Vermelho (Red Dragon) é um filme lançado em 2002, baseado no livro de mesmo nome de Thomas Harris. Faz parte da série de filmes sobre o canibal Dr. Hannibal Lecter. Will Graham é ex-agente do FBI que por pouco não foi morto por Lecter ao tentar capturá-lo. Graham recorre à ajuda de Lecter, que está preso, para capturar o assassino em série Francis Dolarhyde. O único problema é que Lecter auxilia o policial na investigação, mas também repassa ao assassino informações sobre a família do mesmo.


Dolarhyde conhecido pelo apelido o “Fada dos dentes” é a figura principal da trama, um rapaz inseguro, tímido, mora sozinho e mostra problemas de autoimagem tanto por causa de sua aparência (cicatriz na boca), quanto pelo tratamento que recebia de sua avó.


Se intitulava como Dragão Vermelho, cometia crimes em busca de reconhecimento e admiração. Trabalhava numa produtora de filmes onde escolhia suas vítimas ao assistir fitas de vídeo de famílias em momentos felizes. Estudava os vídeos para decidir a melhor forma de cometer os homicídios.


Seus crimes tinham as seguintes características: após matar as vítimas retirava os olhos e os substituíam por pedaços de espelho quebrado. A mulher era atacada e tinha seu corpo marcado por mordidas. Ele era bastante criterioso na escolha das vítimas, as mortes aconteciam de forma organizada e planejada.



O Dragão Vermelho seria um caso de psicose e paranoia?


É possível pensarmos que a psicose pode ser identificada na primeira fase do desenvolvimento, na qual pode ter acontecido privações significativas ao sujeito. Esta fase corresponde ao distanciamento entre o bebê e sua mãe. A partir da alternância da ausência e presença dessa mãe é que essa noção de separação vai sendo assimilada pelo bebê.


Na psicose, essa mãe, que também teve dificuldades na passagem pelo Édipo, passa a dificultar essa separação, vê este bebê tapar a sua falta, negando assim a sua castração. Essa relação simbiótica mantém-se, por tanto, esta mãe, “psicotizante”, não investe narcisicamente no seu bebê, especialmente, para a psicanálise, o sujeito nasce daí, do desejo do Outro. O psicótico não nasce, ele permanece pueril.


figuras principais do filme dragão vermelho na imagem esta escrito analise do filme dragao vermelho um caso de psicose e paranoia

O que seria passar pelo Édipo?


Freud enxerga essa mitologia dentro das fantasias infantis de crianças de 4 a 6 anos, a passagem seria abrir mão dessas práticas incestuosas (ter relação parcial com o corpo do outro, matar o pai, ficar com a mãe) e entrar nas normas da cultura, isto é, implica ser interditado o seu desejo (não pode tudo). Já o narcisismo é um acúmulo da libido no (eu), que impede o psicótico de algum elo com o mundo – desenvolvendo um delírio de grandeza.


Lembramos que para Freud, o estado psicótico é uma defesa; é a expressão debilitada da tentativa desesperada que o (eu) faz para se resguardar, ou seja, um corpo estranho que aterroriza sua integridade. Escapar de uma ideia nada assimilável.


O psicótico age de acordo com os seus impulsos, é aquele que ficou fixado na primeira etapa do desenvolvimento, em que o ego é ainda arcaico e fragmentado. Dado que o superego também não tenha se estruturado, pois para isso ele teria de passar pela lei paterna.


Em relação ao ego, mesmo não estando completamente organizado, existe uma conservação das faculdades abstratas, em especial pela inteligência, qualidade presente no psicopata. Francis obviamente tem essa inteligência ligada a competência imaginativa e criativa. Seus crimes revelam a marca desse registro como a comunicação de um inconsciente a céu aberto. Claro, que sua maneira de expressar o inconsciente e de satisfazê-lo é muito primitiva.


Na psicose a angústia é de fragmentação e as principais defesas são a projeção e foraclusão. A construção da imagem corporal e o sentimento de unicidade depende dessa mãe, e é por essa carência que o sofrimento do psicótico é de fragmentação. Deste modo, seu corpo não é uma unicidade, e sim pedaços sem definição.


O fracasso da experiência de castração na psicose é correlativo a foraclusão do significante do Nome-do-Pai (mecanismo que rompe as amarras). Uma construção necessária teórica, mítica e que esclarece esse processo. Pois, na psicose o que é abolido na ordem simbólica no sentido da foraclusão (expulsar para fora de si), volta no real.


Nesse sentido, a passagem ao ato toma uma função que não é apenas, no caso dos serial killers, a de assassinar, mas, de se fazer sujeito, é evidente que sujeito do inconsciente. De modo geral, o inconsciente é um seguimento de pensamentos, palavras e atos que nos escapam. De certo, o ser falante que somos, psicótico ou não, é um ser falado.


Durante a investigação, Will (agente do FBI) encontra um símbolo na árvore da casa dos Jacobis feito pelo assassino e, com a ajuda do Dr. Lecter descobrem que esse símbolo asiático de um caractere chinês - marca o dragão vermelho. O dragão vermelho é uma produção artística que foi criado por Blake que foi contratado para criar diversas pinturas com o objetivo de ilustrar os livros da Bíblia entre 1805 e 1810. O significado e origem da pintura do dragão vermelho possuem grande importância tanto na produção da trama como na construção do protagonista.


Dolarhyde coloca em pratica os dois crimes um mês depois de descobrir The Great Red Dragon and the Woman Clothed in Sun (O Grande Dragão Vermelho e a Mulher Vestida com o Sol), ele possui obsessão por essa arte, a ponto de ter a imagem tatuada nas costas, o que lhe trouxe a certeza de que poderia se transformar no dragão após assassinar suas vitimas. Apesar dos fatos apresentados no filme, a tatuagem tem para Dolarhyde um sentido muito peculiar. Ele marcou no seu corpo o dragão para tornar-se idêntico a ele, lembrando do detalhe de usar a dentadura da avó para morder as vitimas, um pedaço do que para ele representava seu ancestral.



Em Lacan a linguagem é estruturante do inconsciente. Sendo que na psicose esse discurso vem sempre à tona como um imperativo, pois coloca Dolarhyde em contato com sua fragilidade e a tentativa de restituí-la. O discurso da avó toma o lugar de autoridade e ele de comandado. Ela aparenta se satisfazer quando gera esse mal-estar e, nega totalmente a possibilidade de seu neto dar conta do seu próprio prazer.


Sabemos que o inconsciente é atemporal, visto por este ângulo, a fantasia que o assassino em série usa para cometer seus crimes é muito primitiva.

Então, investigamos primeiro a infância dele, precisamente na relação com a avó.


Conversa imaginária:

Francis: Vovó, sinto muito. Avó: Oh! Francis eu nunca vi uma criança tão suja e nojenta, olha só para você, está ensopado, saia já da minha cama! Francis: Não! Avó: Volte para seu quarto! Francis: Vovó você está me machucando. Avó: Cala a boca seu animalzinho imundo! Devia ter posto você no orfanato, mesmo sendo meu neto. Francis: Não, não vovó! Avó: Para o banheiro! Tire seu pijama e se enxugue depressa... Agora me dá a tesoura da gaveta dos remédios.

Francis: Não vovó, por favor!!!

Avó: Pegue sua coisa suja com a mão e põe para fora. Francis: Não vovó.

Avó: Você quer que eu corte ele fora? você quer? Você quer que eu corte ele fora?

Dou minha palavra Francis se você molhar sua cama de novo eu corto ele fora, está entendendo? Francis: Eu vou me comportar, eu vou me comportar, eu juro.


O protagonista tem lembranças auditivas de sua avó, pois ele rememora esse discurso que ficou inscrito no seu inconsciente como um traço de linguagem e, desencadeando uma paranoia.


A conversa entre Francis e a avó revela que o menino sofria violência psicológica, de tal modo que sua masculinidade, foi assim, inserida de uma forma que não sobra dúvida para ele: ser homem seria muito árduo.


A avó dava a entender que um homem não urina na roupa. Isso reflete na vida adulta de Dolarhyde que apresenta muita dificuldade na vida sexual e afetiva, a partir dessa experiência traumática e com essa sexualidade vista de um jeito anômalo.


Importante ressaltar que a identidade sexual é construída na infância, o modo como se colocam as questões de controle dos esfíncteres e da higiene são fundamentais para tal construção. Lembrar que os cuidados maternos feito pela mãe no corpo da criança é extremamente importante para tornar esse corpo biológico em um corpo sexualizado.


No caso de Dolarhyde, sem investimento de afeto, ficou com seu corpo-coisificado. Se buscarmos o olhar de Freud é possível comparar a enurese a uma sensação prazerosa, vinda da masturbação, que antecede a fase fálica (manipulação do órgão genital).


É possível observar que a avó se refere ao órgão masculino como “coisa suja”, soa a ideia de que não poderia ter prazer sexual ao se masturbar, já que isso para ela parecia repugnante. Ainda nessa linha de raciocínio, outra questão muito corriqueira é o adulto dizer as crianças que urinam na cama ou se masturbam: “corto isso daí fora”.


Assim, a criança se depara com a castração no real e, para ela não vai ter meio termo, o desfecho é violento: cortar fora acarreta em privá-lo da condição de portador do falo. O pequeno Francis na realidade, não teve seu pênis cortado, mas a avó aniquilou a possibilidade de ele desenvolver uma sexualidade genital, porque esta ficou foracluída.


Durante o filme, não temos nada sobre como era essa construção familiar, a estrutura triangular edípica parece ser formada somente com sua avó, uma mulher que quer o falo, posto isto, o priva da figura paterna. Para o protagonista, a avó representava a lei, por isso, o feminino o assusta pois na realidade ele não vê sua avó uma mulher castrada, e sim uma mulher fálica, que tenta castrá-lo.



Esta avó transmite uma lei cruel que o trata como coisa. Por isso, as mulheres o intimidam e ele as assassina com mais rigor. O garoto é colocado pela avó num lugar de objeto destituído de desejo, um animalzinho imundo, um dejeto, é possível que aqui esteja a chave para a formação de sua fantasia delirante.


Essa fantasia vem dar conta de uma insatisfação na realidade, ou seja, na tentativa de reparar a perda da realidade, cria-se uma nova. Para Francis a realidade é ser um enfraquecido, um nada, portanto, procura uma identificação com uma figura que represente a força. Contudo, durante sua vida, o dragão simboliza não apenas a força, como também uma transformação, porque sua fantasia é conseguir tornar-se o que nunca foi.


Sua veneração pela pintura é tanta que produz um diário Contemple o Dragão Vermelho o qual reúne uma coleção de fotos de defuntos, inclusive, fotos do Dr. Lecter por quem tem admiração.


Na intenção de capturar o criminoso, Will (ex-agente do FBI) simula em uma matéria publicada em um jornal que Dr. Lecter discorre sobre a sexualidade de o Fada dos dentes. Foi publicado: “O fada dos dentes é feio e é impotente com o sexo oposto. Ele molesta sexualmente suas vitimas masculinas. Especulamos que ele seja produto de um lar incestuoso. Não admira que seja um tremendo fracassado”.

Após ler o jornal Dolarhyde sequestra Lounds, repórter que o denegriu na matéria publicada, para que possa mostrar sua verdadeira identidade:


Francis: Sabe quem eu sou Sr. Lounds?

Lounds: Não, nem quero saber!

Francis: De acordo com o Sr., eu sou um depravado, pervertido sexual, fracassado. Um páreo de última categoria (...) acho que agora já sabe?!

Lounds: Eu sei!!!

Francis: Eu não sou um homem, eu comecei como um, mas cada ser que eu modifico me torna mais que um homem, como vai testemunhar.


Nesta cena, o assassino fica totalmente sem roupas em frente a um telão, de costas para o repórter, exibe sua tatuagem do dragão com movimentos corporais de contração dos músculos, transparecendo o quanto ele precisa mostrar-se assustador e forte. Essa necessidade de parecer superior fisicamente, corresponde ao seu pensamento megalomaníaco, sendo esse um dos fatores da paranoia.


Durante a sessão de torturas ao repórter, Francis exibe os slides com as cenas dos crimes e diz: Quer saber o que eu sou?

Lounds: É o que mais quero, tinha medo de perguntar.

Francis: Está vendo? A sra. Jacobi na forma humana, a sra. Leeds na forma humana.

A sra. Jacobi mudando, a sra. Leeds mudando, está vendo?

A sra. Jacobi e Leeds renascidas (na foto elas tinham pedaço de vidro quebrado no lugar dos olhos).

Por que escreveu mentiras sr. Lounds? Vai dizer a verdade sobre mim, meu trabalho, minha transformação?

Eu sou o dragão e o senhor me chamou de louco, é testemunha de uma grande transformação e não reconhece nada. O senhor é uma formiga diante do renascer, mas está em sua natureza fazer uma coisa correta que diante de mim o senhor treme. Mas, não é medo que me deve sr. Lounds... é reverência!!!


Nesse relato é possível observar uma construção delirante, pois a cada pessoa que ele mata, ele acredita torna-se mais forte. Deste modo, cometer os crimes o torna sujeito, aquele que causa medo, aquele que diverge das pontuações da sua avó (não urina mais na cama). O jornalista treme de medo; Francis faz uso do termo reverência e não medo, ele quer ser glorificado como um deus.


Essa transformação assume um papel de missão, que na visão dele parece ser uma espécie de ressurreição. Mas, esse renascimento só pode acontecer se ele for o dragão vermelho e, é por esse motivo que não se satisfaz em apenas admirá-lo, é preciso marcá-lo em seu corpo.


Tal matéria se resultou na morte do Sr. Lounds (repórter), isso nos dá abertura para pensar como tais palavras tiraram o assassino do eixo, especialmente, porque tem como fonte Dr. Lecter, pelo qual possui estima.


Foi intencional o detetive optar em fazer essa matéria sobre a sexualidade do assassino. Mesmo que seja uma interpretação bastante caricatural, tem muita serventia para sustentar algumas suposições e hipóteses: Francis se sente impotente diante das mulheres, essa fragilidade de fato é com seu próprio estado de homem fracassado. A mulher o espanta, visto que, a imagem do feminino provém de uma avó muito masculina, no sentido simbólico de portadora do falo.


Quando a matéria menciona a suposta homossexualidade de Francis (molesta sexualmente suas vitimas masculinas), pode-se perceber que tocaram em algo muito mais primitivo nele, pois se não teve um pai para se identificar, provável que se identificou com a avó, fato associado, por exemplo, no uso da dentadura. Tal comportamento não é somente para despistar os investigadores, mas também uma forma de identificação muito primária, sinalizadora da suposta homossexualidade oculta.


Todas as crueldades do protagonista escondem a tentativa de se fazer sujeito. Seguindo nesse raciocínio, pode-se dizer que Francis só era alguém quando executava seus homicídios, só assim era um homem, como afirma em sua fala ao repórter.



O psicótico não mede esforço para alcançar o que quer, por isso, a passagem ao ato. Essa ação é uma descarga experimentada como uma satisfação sexual. A única forma que existe como saída é a passagem ao ato, pois não faz uso da palavra como intermediação, pois a linguagem faz parte do registro simbólico e isso é o que lhe faltou.

É possível pensar na presença de um componente perverso, em que o papel de dominador e de dominado da vítima lhe causa prazer. Sem esquecer que essa relação é fruto de sua própria história de dominado, que agora tenta inverter.


Durante todo o filme, é possível observar que a questão da aparência traz muito sofrimento ao Francis, na visão dele é algo horrível. O protagonista recebeu o apelido de “Fada dos dentes” do qual achava ridículo.

De fato, para alguém que gostaria de parecer homem e forte, o título fada não está de acordo, afinal é bem feminino e delicado. Óbvio que isso rebate na questão da aparência, resumindo, as fadas são femininas e bonitas, neste caso ele não se considerava como tal. No caso dele, o que importa como a representação de si é somente a cicatriz que tem na boca, o que é simbólico, porque implica no real do corpo, o corte simbólico pelo qual ele não atravessou.


Reba tem algo essencial que leva a uma esperança de vínculo social: ela possui deficiência visual. Observamos que o protagonista tem uma grande questão com sua autoimagem, por isso quebra os espelhos na casa das vítimas.


Quando a garota lhe conta sobre a curiosidade das amigas em relação a ele, Francis a questiona: “Falaram da minha aparência?” porque na concepção dele os outros são ameaçadores. Além da cicatriz na boca que o faz sentir-se deformado, existe também uma questão ainda mais primitiva, referente ao seu narcisismo. Mesmo o filme não abordando tal questão, pode-se dizer que ele foi pouco investido narcisicamente pela mãe, isso é clássico na psicose.


Na trama, aparece uma avó devastadora no lugar dessa mãe, uma figura incapaz o bastante para não fazer a função materna de investir afeto em seu bebê. Francis se vê no olhar de reprovação dos outros, então, era bem prazeroso se relacionar com alguém que não pudesse vê-lo. Ou seja, como ele se vê através do Outro (avó), o fato de a moça ser deficiente visual, naquele instante, proporciona a possibilidade de não se ver como um animalzinho imundo.


Reba o tratava muito bem, diverge de tudo que ele já passou. Por isso, em algumas ocasiões, ela parece desempenhar essa função materna ausente. Se prestarmos a atenção, não é somente uma relação sexual o mais significativo, mesmo que mantenham isso de fato, mas a parte afetiva aí é muito mais importante. Ela não o excita como homem, e sim causa nele certa piedade, não com a moça e tão pouco com os outros, mas em relação a si próprio.


Mesmo tendo todas as chances, o fada dos dentes não matou Reba no primeiro encontro, nem a mulher no museu. Os detetives souberam da noticia e a explicação dada foi que ele não matou porque estava tentando parar. Reba aparenta ser esse breque que Francis não tinha. Perante a psicose não temos de recuar, porque sempre há uma expectativa, não da cura, e sim da possibilidade de recuperação de um laço social, ainda que mínimo e precário.


Antes do surto em que ele coloca fogo na casa, lembramos que Francis dorme com a moça. Seu encontro com a relação sexual já é um motivo significante para que aconteça o surto, sendo que para esses sujeitos o sexual é um fator traumático e complexo, e, depois com sua impotência.


Na cena em que ele acorda e percebe que a garota não está mais na cama, ele corre pela casa desesperado. Nesse momento, olha para o quadro da avó, que joga aquele olhar de advertência de modo a reprová-lo pelo ato sexual. Depois, olha para o quadro do dragão e fala com uma voz chorosa:

“Não, ela você não vai ter!... Por favor, só um pouquinho. Não, não... está me machucando”. Totalmente perturbado - pega a arma e olha para a imagem do dragão e diz: “não ela, ela é boa, ela é legal”.


Em seguida, coloca a arma na boca e ameaça atirar em si mesmo, porém surge a ideia de ir ao museu e comer a imagem do dragão.


Durante essa alucinação paranoica vivida por Francis, se observa que o que permanece no seu delírio experimentado como sendo um outro que o incomoda, o persegue, tem mais a ver, na realidade com a relação do sujeito com o próprio eu.



Por que Francis resolveu comer a pintura, sendo que o sujeito e o objeto estão ligados?


Antes de tudo, já sabemos a importância dessa obra para ele. Por detrás desse ato há uma tentativa desenfreada de resgatar esse objeto perdido, de retomar a posição simbiótica materna. Dessa maneira, quando ele se sente fragilizado, necessita desse objeto, tal qual como quando ele usou a fala “renascida”, para relatar o que as mortes faziam com ele.

Francis renascia, tornava-se novamente um bebê, se pudesse teria para si esse objeto que ele tanto aprecia. Esses elementos passaram por deslocamento e, é claro, ele não os identifica como tal.


Na psicose um objeto pode perder seu valor real, por isso, essa pintura para ele tem um sentido diferente. Em outras palavras, a atitude de comer a pintura é uma forma de tornar o dragão vermelho vivo dentro dele, pois o fada dos dentes trata seu dragão como o grande pai, que está morto e precisa ser ressuscitado.


Nas cenas finais do filme, Francis descobre que sua identidade foi descoberta pelo detetive Will, por isso, ele foge e, ao passar na casa de Reba, a vê conversando com Ralph. Francis mata o rapaz e depois a sequestra.


Já em sua casa ele a desperta e diz: Você andou pela casa enquanto eu dormia, não foi?

Reba: Que?

Francis: Naquela noite você achou alguma coisa estranha e mostrou para alguém? Você fez isso?

Reba: O que foi, o que está acontecendo?

Francis: Fica quieta ou ele vai ouvir a gente, ele está lá em cima! Ele quer você Reba, eu achei que ele tivesse ido embora, mas ele voltou.

Eu não queria dar você para ele, eu fiz uma coisa hoje para que ele não possa te pegar (...) Eu tava errado você me enfraqueceu e depois você me magoou!


Francis aparenta surtado e seu tom de voz oscila entre agressivo e doce, como se fosse duas pessoas; uma com vontade de matar e outra que não quer matar. A conduta dele é de como se acatasse a uma ordem superior, fato muito comum na psicose, esse encontro com o Outro.


Quando ele se direciona a este Outro sempre faz uso da expressão “está me machucando”, ou “ele vai te machucar”. Pode-se dizer que essas frases têm origem nas recordações da avó. Tal relação, é muito importante para compreendermos que, quem está por trás de sua fantasia, no lugar desse gigantesco dragão vermelho e da mulher vestida de sol, é a sua avó.


Durante a conversa ele acusa Reba de tê-lo enfraquecido e magoado, se recordarmos o primeiro encontro, ao contrário de agora, ela escolheu Francis ao invés de Ralph, no que lhe trouxe bastante segurança.


Para finalizar, é possível afirmar que não é nada fácil para o sujeito reconhecer seu eu e seus desejos destruidores e é justamente por esta questão que isso se manifesta sobre a forma de um “outro-Francis”, claramente visível na relação com a garota. Com ela, Francis não mostra a mesma habilidade que teve com as outras vitimas, até tenta evitar cometer novos crimes, isso porque, mesmo vulnerável, construiu um vinculo afetivo precário, como já mencionado antes, não um vinculo de um casal formado por um homem com uma mulher, mas de Francis com os seus sintomas.


Psicóloga Renata Gonçalves – CRP 06/122453

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