Psicopatia do Cotidiano: Quem são os Psicopatas que não matam?
top of page

Psicopatia do Cotidiano: Quem são os Psicopatas que não matam?

Os assassinos em série que aparecem em telejornais ou personagens de filmes de terror chamam a nossa atenção por conta de suas atitudes cruéis. Mas, o que a maior parte da sociedade não sabe é que, antes dos casos mais graves de psicopatia, existe também um tipo de psicopata que pode até não praticar crimes absurdos, mas causa danos irreparáveis aos que estão a sua volta.



O que é a psicopatia do cotidiano e quem são os psicopatas que não matam?


É possível encontrá-los em nosso ambiente de trabalho, escolar, vizinhança e, até mesmo em nossa própria família. Por exemplo: é o patrão que desclassifica o funcionário na frente de todos; é o vizinho que sempre procura gerar confusão no condomínio; é o namorado que sufoca demais; é os pais que fazem chantagem emocional com frequência para que os filhos tomem atitudes inversas as suas vontades.


A psicopatia ou as manifestações de atos psicopáticos estão presentes na sociedade, na medida em que se apresentam em diversas instituições e meios. Para ilustrar a psicopatia do cotidiano separei alguns acontecimentos que vemos diariamente nos noticiários.



Sobre o meio familiar: não é incomum pai/mãe matando filho e vice-versa. Os filhos são altamente protegidos, e se fala a eles somente o que eles querem ouvir; os pais precipitam-se aos seus desejos, não deixam que nada falte aos filhos. Gravíssimo delito dessa nova geração.


Quando frustrados, se são crianças, fazem pirraça, se jogam no chão, esperneiam, gritam e no exato momento conseguem tudo o que querem, especialmente se estão em público, por saberem como causar mal-estar nos pais. Reparem, pois, os filhos dos tempos atuais, são esvaziados de desejos e planos. Não sabem o que almejar para o futuro, não querem pensar, não sabem o que vão fazer amanhã. Estão o tempo todo insatisfeitos, se dizem tristes e que ninguém os compreendem.


De forma muito precoce aprendem como manobrar os adultos, principalmente os que se sentem mal por terem uma agenda lotada de tarefas e pouca atenção aos filhos, com a ausência dos pais crescem cobertos de presentes. Na fase adulta, não querem se frustrar com nada e frente as diferenças se mostram intolerantes; utilizam recursos ilegais para conseguir o que desejam e, as vezes de forma cruel. Recorrem a mentiras, atrocidades, trapaças.


Talvez, os pais e professores poderiam ser melhor instrumentados para entender, ainda nas crianças e adolescentes, indícios de transtorno de conduta: maldade e frieza emocional seguido de falta de culpa, fraudes, mentiras, vandalismo, enfrentar pais e professores, repassar as responsabilidades, uso precoce de drogas e álcool.


imagem preto e branco com duas mulheres com o rosto borrado entre as mulheres há um olho observando através da fechadura

Sobre o meio religioso: chamo a atenção para os casos de abuso sexual, pedofilia e corrupção que são alguns dos crimes dos quais líderes espirituais e religiosos são acusados, vistos como “pessoas sagradas”, porém, teriam se aproveitado da fé alheia.


A pouco tempo o médium conhecido como João de Deus – acusado de centenas de abusos sexuais a mulheres que buscavam atendimento, no centro espírita mantido por ele.


Já a Igreja Católica também teve o nome manchado por omissão e até conivência com padres pedófilos. Isso ocorre por décadas e os relatos passam de mais de 1 mil crianças que teriam sido vitimas de pedofilia. Segundo o relatório da Suprema Corte estadunidense, os atos aconteciam enquanto líderes religiosos acobertavam os abusos, que por sua vez, passam o dia falando no amor e temor às leis de Deus. São fingidos e dissimulados.


Sobre a tribo política em Brasilia: Parece que se esgotou a reserva ética e moral, definitivamente não há. Restou pouquíssimo ou quase nada. Habitamos um hemisfério competitivamente primitivo e sem lei, em especial, aos que estão no poder e manuseiam as regras conforme seus próprios interesses. Maior exemplo é na falta de constrangimento, culpa ou remorso dessa tribo política que vemos com frequência nos noticiários.


Governantes abordam com naturalidade desvios de verbas públicas, mensalões, caixa dois, flagras de dinheiro nas cuecas e meias, sonegação e corrupção.

Ao seguir relembrando alguns fatos esquecidos e outros recentes: há onze anos, na época era futura candidata ao cargo de presidente da república fraudou seu curriculum lattes, dizendo que era mestre e doutora sem ser uma coisa ou outra. Falsificar Curriculum Lattes equivale, na Academia, a usar um falso diploma de médico.


Como bons psicopatas, os políticos têm o dom para reinterpretar as leis de forma que os beneficiem, ou de reinventá-las, deturpar as regras e, ao mesmo tempo, são colaborativos em organizações de combate à corrupção levantando a ética como bandeira. Sem generalizar, porque nem todos os políticos são psicopatas, mas não existe dúvida de que psicopatas adoram o poder e por isso se interessam bastante pela política.



Sobre a pandemia da COVID-19: Em março de 2020 a vida dos brasileiros virou de cabeça para baixo quando veio a preocupação com a covid-19. Diante de uma catástrofe mundial podemos visivelmente perceber o despreparo e desunião da gestão do país. O atual presidente lançou um “e daí”, “não sou coveiro” como posicionamento em meio a tantas mortes pelo coronavírus. Não, não é nada coerente e tão pouco engraçado, é de uma frieza absurda e desdém frente ao sofrimento alheio. Lastimável.


Importante pontuar que apesar de o conceito de psicopatia vir do grego (psyche - “mente”, e pathos - “doença”), não é considerada uma doença mental. Pois os psicopatas têm total noção da realidade e não apresentam nenhum delírio ou alucinação, isto é, são seres racionais e conscientes de seus próprios atos e comportamentos. Eles sabem distinguir as varias nuances da realidade, sabem o que é bom e ruim, ou o que é certo e o que é errado, sabem identificar a lei e, se a infringem, é pelo simples prazer de fazê-lo.


Sobre o meio corporativo: os psicopatas se instalam com sucesso nas empresas. Eles têm os requisitos almejados pelos lideres empresariais, como inteligência, capacidade analítica e de liderança, ambição, disposição para encarar os problemas e carisma, até aqui tudo bem, porém, há empresas que usam esses atributos de forma errônea e consciente - não respeitam sócios, clientes nem funcionários.

São organizações que trapaceiam seus resultados para vender melhor as suas ações na bolsa.


Um acontecimento que marcou a Páscoa de 2004, em que marcas famosas de chocolate Lacta e Garoto "maquiou" a quantidade de chocolate por embalagem. O problema, segundo a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, é que a diminuição ocorreu sem informar os consumidores, assim, lucraram bastante com estas manobras.


Necessitamos, com urgência, rever conceitos básicos que foram perdidos: ética, tolerância e empatia; eles farão a diferença na nossa capacidade de conhecer o mundo atual que traz como marca a psicopatia do cotidiano.


Outro marco interessante foi com o banco Itaú que demitiu 50 funcionários que solicitaram de forma indevida o auxílio emergencial, pago pelo governo federal durante a pandemia do novo coronavírus. Os trabalhadores não atendiam aos critérios de elegibilidade para receber o benefício. De acordo com as regras do programa, pessoas com emprego formal não fazem parte do público-alvo.

O banco denominou as atitudes dos funcionários como desvio de conduta. Essa atitude da empresa talvez tende a diminuir a frequência dessas ações, por conta de tornar o espaço limitado para quem mostra esse tipo de comportamento.


As pessoas que estão ou passaram pelo caminho do psicopata são os que sofrem as consequências de seus atos, porque são tratadas e vistas como objetos ou coisas sem importância, que devem ser usadas impulsivamente em prol da satisfação do próprio prazer, sem nenhum remorso.


Exemplo disso é do golpista Vagner Camargo que tirava dinheiro de idosos para ostentar vida de luxo, agia no autoatendimento dos bancos oferecendo “ajuda”. Aplicava o golpe bancário em idosos, gastando todo o dinheiro roubado com carros, imóveis e viagens caríssimas.


Myrian de Souza é outra golpista descarada, mantinha um falso cartório no Rio de Janeiro. Ela realizava desde 2013 cerimônias religiosas de casamento no local e entregava certidões falsas aos noivos. O falso cartório cobrava R$ 600 reais pela cerimônia religiosa.


A sociedade atual apresenta funcionamento psicopático na medida em que misturam eventos que banalizam o mal e a morte, anestesiando a moral, no qual o sistema mercantil capitalista possui grande poder sobre a vida dos indivíduos e opera sobre uma lógica de supervalorização de riquezas, colocando em prejuízo os sentimentos e formando uma cultura individualista.


A pouco tempo tivemos um caso de abuso de poder sobre a soldado Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, que denunciou um tenente-coronel por assédio sexual e ameaças de morte, ela decidiu deixar a carreira na Polícia Militar e foi exonerada. Ela tomou a decisão após sofrer pressão dentro da corporação devido à repercussão do caso. Na policia, talvez seja um meio favorável para os psicopatas ingressarem, porque não existe um modo de barrar que eles ingressem nessa instituição, que é muito atrativo, por lhes conceder legitimidade e autoridade para seus atos.



Sobre as redes sociais: vivemos a modernidade e os psicopatas do cotidiano também se atualizam criando novos golpes através das redes sociais. Instagram é uma das redes mais usadas pelos golpistas para aplicar fraudes em vendas on-line. Com anúncios falsos, perfis vendem produtos que nunca são entregues ou que não condizem com o que é anunciado. Alguns utilizam nomes de marcas famosas para ter mais credibilidade.


Atualmente fala-se bastante sobre bullying (assédio moral) modalidade de assédio caracterizada por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, promovida entre escolares, crianças e adolescentes. Abala as vitimas, causando sinais de ansiedade, depressão, angustia, medo e constrangimentos, marcas que ficam no corpo e na alma.


Nessa nova era, em ‘um estalar de cliques’ temos informações do mundo em tempo real. Os agressores também estão on-line: cyberbullyning. Mais de trinta milhões de jovens brasileiros possuem uma relação intensa com a internet, aplicativos de relacionamentos, Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter, Youtube etc., os agressores criam grupos ou falsos perfis com a intenção de difamar e ofender, arruina uma imagem e uma identidade ainda em construção. É a tortura cibernética.


Ainda sobre os meios de comunicação tais como: Jornais, Revistas, Filmes, Programas, séries de TV e Histórias em Quadrinhos são amplamente consumidos pela população e, com mais frequência que se deseja ou é esperado, muitas vezes usado como formas de conhecimento e aprendizagem. As informações e ideias obtidas nestes materiais acabam gerando opiniões em torno dos personagens que perduram como informação válida para gerar ideologia.


A falta de tempo e dia cansativo ligados ao hábito de não ler regularmente, faz com que as pessoas consumam este tipo de material não apenas como entretenimento, mas também como fonte de informação, formação de opinião, de conhecer aspectos da realidade e instrução geral. Observo que prevalece uma imagem deturpada da psicopatia (sinônimo de serial killer), em grande parte, gerada pela mídia. O psicopata não é apenas aquele sujeito que mata com prazer ou que comete crimes absurdos como podemos identificar ao longo desse artigo. A maioria do nosso meio social não vê isso, provavelmente por basear-se nos noticiários, cinema ou redes sociais, acabamos vinculando o psicopata somente a pessoas com uma aparência insana, violenta e que, assim, são mais fáceis de identificar.


Há elementos comuns característicos em um psicopata – um marcado egocentrismo, profundo desprezo pelos sentimentos e pelas necessidades alheia. Eles fazem parte de nossa rotina, e são difíceis de identificar, já que a nossa atenção está voltada à mídia, que apenas divulga casos extremos de serial killers.


Exemplos é o que não faltam: O mais atual foi há alguns meses, Lázaro tem um histórico longo de crimes: assassinatos, estupros, sequestros, roubos etc., além disso, durante sua fuga contava com ajuda de fazendeiros (cúmplices) - que a pouco recebeu beneficio de responder em liberdade.

Em 2007, foi preso na Bahia em sua cidade natal, Barra do Mendes, por um duplo homicídio, porém, fugiu para Brasília. Mesmo com laudo psicológico “psicopata imprevisível”, Lázaro em 2013 teve um benefício concedido por bom comportamento para o regime semiaberto. Ele foi liberado e voltou a cometer os mesmos crimes. Foi capturado em junho de 2021 e morreu após uma troca de tiros com policiais.


Deve-se levar a sério a realização de exames criminológicos com avaliação ampla da capacidade para convivência social, antes da soltura de presos que apresentem distúrbios de comportamento, evitando riscos para a segurança da sociedade.


Sem endurecer as leis, a violência cresce a cada dia e torna-se uma agressão ao bom-senso dos cidadãos do bem. Alguns psicopatas dizem de forma aberta, impudica e provocativa: “se me soltar, volto a estuprar, volto a matar”. Cruel, portanto, é a lei que quer tratar os diferentes de forma igual aos demais e deixa o meio social vulnerável.



É inadmissível se esconder em bordões: “violência é da natureza dos seres humanos” e nos entregar a sua maldade. Tratar a violência como algo banal é, de alguma forma, preservá-la atuante, dissolvendo simbolicamente seus efeitos não levando em consideração suas manifestações.


Sobre psicopatia e uma possível “cura”: sabemos que não há, mas e se houvesse um olhar mais atento, talvez sendo otimista, impossibilitando um quadro mais grave de psicopatia na vida adulta. E claro, os psicopatas nem sempre são fáceis de detectar, depende do nível de psicopatia, se baixa, moderada ou grave.


Frequentemente, convive-se com psicopatas porque nem todos viram assassinos, têm uma vida supostamente normal, praticando seu poder de sedução, levando vantagens e debilitando os mais frágeis, traindo, manipulando, em relacionamentos predatórios com quem passam pelo caminho e que podem ser presas fáceis do seu prazer perverso.


Ainda sobre um possível tratamento da psicopatia há dualidade nos achados científicos. Sendo que para os psicopatas atualmente não existem tratamentos terápicos eficiente, este público possui grande negação e resistência por conta do egocentrismo, dificultando um bom resultado em algum tipo de intervenção.


Por outro lado, existem pesquisas no meio cientifico que certificam um bom retorno ao tratamento de psicopatas, nestes estudos foram apontados fatores que constatam o fracasso terapêutico, tais como: a pessoa não aceitar o tratamento e sem evolução do mesmo; crime antigo cometido pelo psicopata onde a vitima não fazia parte do convívio dele; antecedentes prisionais.


Para que a terapia funcione no psicopata é importante sublinhar que ele precisa reconhecer em si mesmo que há problemas e que isso precisa ser tratado de forma diferente da estrutura neurótica - que não é o foco desse artigo. Dado que o sujeito psicopata acredita ser soberano, e o que ele faz pode ser por ele entendido como um bem para o meio social - aqui temos uma encrenca.


Em psicanalise, uma personalidade psicopática é definida como um sujeito que vive em conflito com as normas sociais, uma compulsividade de enganar, apático diante dos sentimentos dos outros, desrespeito pela segurança alheia e ausência de culpa.


Portanto, a psicanálise não é capaz de mudar a natureza humana, mas talvez possa mostrar possibilidades para essas inclinações pouco nobres. Aqui não se trata de psicanálise clínica, há perversões e perversões, e temos de levar em conta essa psicopatia do cotidiano (perversão comum) e identificar que ela diz respeito em graus diferentes a qualquer pessoa.


O tratamento para a psicopatia, se é que tenha, é de ordem social e, portanto, não é terapêutico e, sim, educativo. Os psicólogos e psicanalistas não possuem uma saída ou fórmula mágica. No momento em que a sociedade procura novos valores, a psicanálise possa contribuir com orientações por ser capaz de elucidar a subjetividade e o não-todo-racional que formam o sujeito.


O mais ruim, contudo, é que estamos adormecidos frente essas noticias e cenas violentas - assistimos a elas algumas vezes sem nenhum tipo de esboço, sem indignação, sem afeto. E com a ausência dessas características, com o tempo, podemos debilitar a capacidade reflexiva.



Fica a questão: será que um dia resgataremos a nossa capacidade de nos revoltarmos ou voltarmos a nos equipar de maneira apropriada para estas atitudes?

No reino animal, o ser humano é o único capaz de planejar a morte de seu semelhante, movido por vingança, ganancia, interesse, falta de capacidade de administrar as diferenças ou por puro prazer.


A vida e a violência foram banalizadas. A crueldade sapateia sob nossos olhos repetidamente e se disfarça de varias maneiras, de sorte que para os que tomam consciência dela, quer nos noticiários, quer como testemunhas oculares, é aceita como algo natural do dia a dia e seus efeitos são inofensivos.

Porém ela é destruidora para quem é vitima, a ponto de o sujeito, em certas situações, não mais se ajustar, e desaparecer, falecer.


Claro que qualquer ser humano pode agir de modo ruim, dependendo da situação. Qualquer um de nós em algum momento da vida pode ser egoísta, manipulador, hostil, agressivo, invejoso, malvado, descontrolado etc., a questão é quando essas características se tornam rotina, inflexíveis e repetitivas em diferentes momentos, ao ponto de sofrer e sentir perturbações a si próprio e, acima de tudo, aos outros.


Finalizo, mas com um alerta, a psicopatia do cotidiano está aí, está aqui, a nossa volta, é imperceptível e passa-se a viver com ela.


Psicóloga Renata Gonçalves – CRP 06/122453

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page